Não é só nos comentários das redes sociais que se lê esta teoria. A propósito das conquistas legislativas das comunidades L(ésbica), G(ay) e B(issexual), das lutas pelos direitos que ainda não foram reconhecidos das comunidades T(rans) e I(ntersexo) ou das lutas anti racistas ou capacitistas, váries “fazedores de opinião” e até líderes partidáries dites moderades apontam às vítimas a culpa pela agressão. Ou seja, acusam quem defende direitos humanos de um suposto descontentamento social avesso à mudança que aumenta os votos na extrema-direita.
Demasiadas vezes se ouve que é a defesa das minorias que cria a reação, no literal sentido reacionarista do termo. Se datássemos esta expressão a um momento da história em que ela tanto foi usada, o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), logo a seguir ao 25 de abril, comparando, estaríamos então a dizer que teria sido a luta por direitos democráticos – voto universal, salário mínimo, saúde, educação, habitação – a fazer crescer o número de reacionários? Sabemos hoje que aconteceu precisamente o contrário: as conquistas de Abril esvaziaram a força do fascismo. O fato de o povo ter sentido melhorias significativas na sua vida, criou uma quase unanimidade de apoio ao regime democrático.
Também historicamente se sabe que o que faz cair regimes é a degradação das condições socio-económicas. O Estado Novo caiu de podre, por causa da fome generalizada e da guerra colonial.
Hoje, a extrema-direita cresce por causa do desmantelamento do Estado Social, promovido pelas políticas neoliberais dos governos PSD, CDS e PS. O descontentamento das classes média e baixa abre palco a discursos simplistas que, em vez de apontarem as verdadeiras causas, promovem o ódio a bodes expiatórios que, se fossem sacrificados, em nada solucionariam os problemas reais das pessoas. A anulação do casamento homossexual não resolveria a precariedade laboral. Nem a recusa do reconhecimento de identidades trans e intersexo acabaria com a corrupção institucionalizada.
É por isso que a resposta a aVenturas não pode passar por bate-bocas. Um debate direto em que usamos a racionalidade, a exatidão dos termos, a estatística e os fatos, esbarra na pós-verdade, na falácia, na generalização abusiva e na desonestidade intelectual. Nunca é um combate justo.
Por isso, as estratégias só podem ser:
O esvaziamento de argumentos. Se o Estado garantir o cumprimento dos direitos humanos, bem como justiça social e económica para todes, o descontentamento diminui naturalmente e, com isso, o terreno fértil para o crescimento da extrema-direita.
E a antecipação. Devemos preparar-nos, ouvindo e dando voz – lugar de fala – a quem é vítima de discriminações, para podermos propor e exigir a aplicação de medidas concretas que protejam os direitos de todes. Antes de serem neofascistas a pegar nos temas, de forma preconceituosa e estereotipante, devemos nós já ter um discurso claro, informado e solidário.
Este artigo segue o Acordo Queerográfico e o Acordo Ortográfico de 1990.
Imagem: Licença Creative Commons CC BY-SA 3.0 fr.