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Lutar pelos direitos LGBTI+ faz crescer a extrema-direita?

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Não é só nos comentários das redes sociais que se lê esta teoria. A propósito das conquistas legislativas das comunidades L(ésbica), G(ay) e B(issexual), das lutas pelos direitos que ainda não foram reconhecidos das comunidades T(rans) e I(ntersexo) ou das lutas anti racistas ou capacitistas, váries “fazedores de opinião” e até líderes partidáries dites moderades apontam às vítimas a culpa pela agressão. Ou seja, acusam quem defende direitos humanos de um suposto descontentamento social avesso à mudança que aumenta os votos na extrema-direita.

Demasiadas vezes se ouve que é a defesa das minorias que cria a reação, no literal sentido reacionarista do termo. Se datássemos esta expressão a um momento da história em que ela tanto foi usada, o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), logo a seguir ao 25 de abril, comparando, estaríamos então a dizer que teria sido a luta por direitos democráticos – voto universal, salário mínimo, saúde, educação, habitação – a fazer crescer o número de reacionários? Sabemos hoje que aconteceu precisamente o contrário: as conquistas de Abril esvaziaram a força do fascismo. O fato de o povo ter sentido melhorias significativas na sua vida, criou uma quase unanimidade de apoio ao regime democrático.

Também historicamente se sabe que o que faz cair regimes é a degradação das condições socio-económicas. O Estado Novo caiu de podre, por causa da fome generalizada e da guerra colonial.

Hoje, a extrema-direita cresce por causa do desmantelamento do Estado Social, promovido pelas políticas neoliberais dos governos PSD, CDS e PS. O descontentamento das classes média e baixa abre palco a discursos simplistas que, em vez de apontarem as verdadeiras causas, promovem o ódio a bodes expiatórios que, se fossem sacrificados, em nada solucionariam os problemas reais das pessoas. A anulação do casamento homossexual não resolveria a precariedade laboral. Nem a recusa do reconhecimento de identidades trans e intersexo acabaria com a corrupção institucionalizada.

É por isso que a resposta a aVenturas não pode passar por bate-bocas. Um debate direto em que usamos a racionalidade, a exatidão dos termos, a estatística e os fatos, esbarra na pós-verdade, na falácia, na generalização abusiva e na desonestidade intelectual. Nunca é um combate justo.

Por isso, as estratégias só podem ser:

O esvaziamento de argumentos. Se o Estado garantir o cumprimento dos direitos humanos, bem como justiça social e económica para todes, o descontentamento diminui naturalmente e, com isso, o terreno fértil para o crescimento da extrema-direita.

E a antecipação. Devemos preparar-nos, ouvindo e dando voz – lugar de fala – a quem é vítima de discriminações, para podermos propor e exigir a aplicação de medidas concretas que protejam os direitos de todes. Antes de serem neofascistas a pegar nos temas, de forma preconceituosa e estereotipante, devemos nós já ter um discurso claro, informado e solidário.


Este artigo segue o Acordo Queerográfico e o Acordo Ortográfico de 1990.
Imagem: Licença Creative Commons CC BY-SA 3.0 fr.

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ALERTA: não adiras a evento organizado por fascistas (já com 60.000 pessoas)

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Vejo muitos amigos meus, que sei serem democratas, a aderir a um evento com o nome “Vamos Parar Portugal Como Forma de Protesto“.


Utiliza a imagética dos “coletes amarelos” franceses e uma linguagem aparentemente inócua.

Mas se fizerem uma pequena pesquisa nos perfis dos organizadores, rapidamente percebem a origem: nacionalistas e neo-fascistas.

Não se deixem manipular pela extrema-direita. Informem-se, pesquisem, antes de aderir a eventos. Não entrem no jogo do inimigo!

Deixo-vos aqui apenas alguns exemplos de posts feitos pelas pessoas que convocam o evento.

Desde elogios a Salazar:

 

Elogios ao Bolsonaro:


Passando por apelos à adesão ao novo partido racista, homofóbico e anti-democrático do André Ventura:

 

Não faltando também as piadas racistas:


Informem-se e informem! ;)

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Empresas nas marchas LGBTI e dezanove: desinformar não é um orgulho

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A importância de existirem órgãos de informação sobre questões LGBTI é inegável. Informação é poder. E todxs desejamos uma comunidade empoderada. A título individual, sou o exemplo de como um site informativo, no caso, o PortugalGay, foi tão importante para a minha formação enquanto cidadão informado, politizado e ativista.

No entanto, tudo isto é posto em causa quando algum destes órgãos usa a sua projeção para, com mentiras, denegrir estruturas da comunidade LGBTI, como são o seu mais importante exemplo as comissões que organizam anualmente as Marchas do Orgulho.

Se, em 2017, o alvo da dezanove foi a Comissão Organizadora (CO) da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa (MOL), este ano, parece-me, escolheu desinformar sobre a Marcha do Orgulho LGBT do Porto (MOP).

Sobre o que aconteceu no norte – acerca do impedimento à participação da associação de comércio e turismo “Variações” – pouco sei, porque não me encontrava lá. Mas deixo algumas questões: falaram com a comissão organizadora para que a sua versão pudesse constar da notícia? Tentaram averiguar se havia antecedentes que pudessem ter causado o problema? Não me parece. Limitaram-se a escrever, de forma preconceituosa e estereotipante sobre “anarquistas e anti-capitalistas”.

Por exemplo, eu ouvi dizer que a Variações se fez passar pela organização da MOP junto das autoridades e tentou até desviar o percurso normal da marcha. Mas não me compete averiguar se isto é ou não verdade. À dezanove, sim.

 

 

Campanhas negras

Do que melhor vos posso falar é da campanha negra feita à CO da MOL, em 2017.

A propósito da participação de um grupo de trabalhadores do BNP Paribas, a dezanove decidiu lançar a confusão, publicando mentiras sobre uma suposta decisão da CO da MOL em não autorizar empresas no desfile.

Ouviu a versão dos trabalhadores “BNP Paribas Pride”, ouviu a versão da ILGA e citou uma publicação no Facebook de um ativista das Panteras Rosa, mas nada perguntou à CO.

Nos dias que se seguiram, a campanha continuou, tendo até criado uma sondagem sobre se as empresas deveriam ou não ser autorizadas na marcha. Quando isso nunca foi uma questão.

Na verdade, em vários anos, já se deu a presença de marcas comerciais na MOL. Aquilo que está consensualizado é que estas têm de informar previamente a CO, que decide em cada caso se faz ou não sentido aceitar. Normalmente aceita-se.

Para evitar discricionariedade, neste momento, está a ser criado o regulamento da MOL, onde ficarão definidos os moldes da participação de coletivos, formais ou informais, com ou sem fins-lucrativos.

À CO compete também indicar o lugar em que cada bloco segue no desfile. O critério principal é que os coletivos que compõem a CO vão à frente – por motivos óbvios, como o trabalho, tempo e recursos que usam ao longo do ano para pôr em marcha um evento que junta uma dezena de milhar de pessoas. Depois, a necessidade de dar visibilidade a determinados grupos que são invisibilizados pela sociedade e dentro da própria comunidade – pelo terceiro ano consecutivo, o bloco trans seguiu à frente de todos e, este ano, seguiu-se-lhe o bloco bi. Depois, critérios logísticos como garantir que as carrinhas de som não abafam megafones ou que o som de cada uma delas não se mistura. Depois dos coletivos da CO, seguem os convidados não integrantes da CO, os partidos políticos, e, no fim de tudo, as entidades com fins lucrativos.

O que aconteceu na MOL 2017 foi que algumas marcas não quiseram acatar a decisão de ir no final. Nunca, como a dezanove noticiou, foram impedidas de participar.

 

 

BNP Paribas Pride – orgulho ou preconceito?

O caso da comissão de trabalhadorxs LGBTI do banco BNP Paribas foi um pouco mais complexo. Ao contrário do que a dezanove noticiou, a CO nunca proibiu a sua participação em 2017. O que ficou decidido foi que esta deveria seguir no final e não dentro dos blocos de coletivos integrantes da CO. A ILGA ficou responsável por informar o BNP Paribas Pride dessa decisão, mas não o fez. Assim, este grupo apareceu identificado com o seu logo, dentro do bloco da ILGA, e foi informado que não o poderia fazer – em vez disso, deveriam dirigir-se para o final do desfile. Tudo isto aconteceu num ambiente muito exaltado, nada propício a entendimentos. A CO ficou a pensar que o BNP Paribas Pride tinha sido informado mas não tinha acatado a decisão. As pessoas trabalhadoras deste banco ficaram a pensar que não eram bem-vindas na MOL.

Independentemente do que possamos pensar sobre o envolvimento deste banco no genocídio do Ruanda ou do seu apoio à ditadura do Mianmar, do que aqui se trata é de um grupo de trabalhadorxs que corajosamente decidiram juntar-se e formar um coletivo que luta pela sua visibilidade e direitos dentro da empresa. Por esse motivo, eu fui umas das pessoas que, em representação da CO da MOL, este ano, reuni previamente com as pessoas do BNP Paribas Pride, onde foram esclarecidos os mal-entendidos e (re)afirmado que são muito bem-vindxs a uma marcha que também é delxs. O seu lugar no desfile – depois dos coletivos da CO – foi-lhes informado e, sem qualquer problema, integraram a MOL 2018 orgulhosamente envergando as suas t-shirts identificativas.

 

 

Nós merecemos o melhor jornalismo

A dezanove está registada na ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social). Como tal, tem obrigações legais – como cumprir a Lei da Imprensa – e éticas – como seguir o Código Deontológico dos Jornalistas. Entre outras acusações levianamente publicadas neste artigo, são falsas as afirmações: “A presença do grupo de trabalhadores do banco francês tinha já levantado mal-estar durante a organização da fase de preparação da marcha, já que terá sido votado que não seria permitida a presença de marcas ou empresas no desfile. Apenas a ILGA estaria a favor da presença do BNP Paribas.”

É particularmente grave a publicação de supostas posições oficiais sem a sua confirmação. E eu sei que a CO nunca recebeu qualquer pedido de esclarecimento por parte da dezanove.

Noticiar sem falar com as fontes visadas não é só um mau trabalho jornalístico. Tem consequências graves na coesão de um movimento diverso, que já de si tem discrepâncias ideológicas e na forma de atuar. Se a ideia é informar o público e contribuir para uma comunidade mais atuante, militante e unida, não se pode escrever e publicar de ânimo leve.

Nós merecemos informação de qualidade!

NOTA: Escrevo este artigo a título pessoal. Não fui mandatado a fazê-lo pela Comissão Organizadora da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa, nem escrevo em seu nome. Integro, desde 2016, a CO da MOL como membro da Academia Cidadã, um dos coletivos que a compõe.


Este artigo foi escrito utilizando o Acordo Queerográfico.

 

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LGBT’s à rasca na geringonça dos movimentos sociais

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Nos últimos anos assistimos a vários recuos mas também muitos avanços nos direitos humanos em Portugal. Alguns deles nas temáticas LGBT+ mas não é (só) nesses que vou centrar este texto.

“Porque as lutas, mesmo que diferentes, têm que ser solidárias”, dizia o discurso da Academia Cidadã na Marcha do Orgulho de 2016. E é disso que vos quero falar, de quando pessoas LGBT+ fizeram avançar este país, lutando nas ruas, nos empregos, nas escolas, nas suas vidas, pelos direitos humanos, seus e de todes.

Estou certo que já sucedeu antes, provavelmente desde sempre, mas quero-vos contar coisas que eu vivi e assistí, desde há 6 anos, em que me envolvi mais profundamente no ativismo.

Quando criei um evento no facebook, com o nome de Protesto da Geração à Rasca, não podia imaginar que mês e meio depois, a 12 de março de 2011, estivesse nas ruas a maior massa de manifestantes desde o 25 de Abril, até então. Hoje quero aqui fazer justiça dizendo que, sem ativistas LGBT+, não se tinha iniciado na Europa a dinâmica de movimentos de indignação que, por sua vez, influenciaram os “Occupy” em todo o mundo, deram origem a novos partidos, associações, projetos alternativos e de sustentabilidade, fizeram cair governos e abriram caminho a que novas forças progressistas chegassem ao poder ou o influenciassem muito diretamente – como na Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal – e tudo começou no nosso país, com esta manifestação em várias cidades.

Por isso vos quero partilhar a “minha História” de como nem eu nem xs minhas/meus amigxs tínhamos qualquer experiência em organizar manifestações, muito menos com as proporções que este tomou.

Por isso, pedimos ajuda. Enviámos centenas de emails, a centenas de coletivos nacionais, para que nos apoiassem na organização e divulgação.

As primeiras respostas foram de pessoas de movimentos LGBT+. Experientes ativistas queer receberam-nos nas suas casas e disponibilizaram-se para ajudar. Ao contrário de outras, que não responderam ao apelo ou o recusaram porque não éramos conhecides no meio ativista, pessoas como a Raquel Freire ou, uma das minhas maiores referências ativistas LGBT+, o Sérgio Vitorino, ofereceram-se para nos ensinar a comunicar com a imprensa, com o público a que nos dirigíamos, a mobilizar eficazmente outros coletivos. Deram-nos apoio “técnico”, força moral e trabalharam incansavelmente antes e depois do protesto para garantir o seu sucesso.

Em comum tínhamos uma coisa: a precariedade. Não é novidade que as populações LGBT+ são das mais afetadas pela exclusão social, pela precariedade e pelo desemprego.

Foram esta e outras franjas que mais sentiram na pele as consequências de uma crise que começou por ser da alta finança mas acabou, pela intervenção salvadora dos Estados aos bancos, a afetar diretamente os direitos mais básicos das pessoas comuns – no acesso ao emprego, à habitação, à saúde, à educação, à democracia…

Como pessoas e coletivos (neste caso, nas Panteras Rosa, a que ambes pertenciam) cientes da interseccionalidade das discriminações, souberam não se fechar na bolha dos seus direitos e deram o corpo ao manifesto, à luta e, por vezes, ao cacetete, para defenderem os direitos de todes.

Se foi fulcral a sua atuação antes do protesto, foi-o também no dia do mesmo, no momento de maior tensão e mais perigoso do dia. Sem a coragem das pessoas LGBT+, que seguiam na cabeça da manifestação, em Lisboa, tudo podia ter corrido mal. Ao descer a Avenida da Liberdade, quando passávamos pelos Restauradores, infiltrou-se uma coluna de neo-nazis. Envergando bandeiras negras, colocaram-se ao lado das bandeiras multicolor. Momentos tensos, de constante provocação por parte dos fascistas, começam-me a fazer pensar que tudo podia descambar em violência a qualquer momento.

No entanto, com tato, tática e inteligência, e com a ajuda da carrinha des Precári@s Inflexíveis (que ainda levou uns safanões), empurrámos literalmente a coluna de fachos para fora da manifestação. E, aliviades, quando estes desistiram e debandaram, no Rossio, seguimos finalmente gritando, vitorioses, “país precário saiu do armário”!

Será que havia Geringonça no governo se não existisse movimento LGBT?

Os tempos que se seguiram foram duros. A entrada da troika, o governo ultra-neoliberal de Passos e Portas, um presidente que não dava um Cavaco pelos direitos, sejam LGBT+, sejam de qualquer outro grupo que não pertencesse à casta de privilegiados instalada no país, fizeram com que fosse preciso que os vários coletivos ativistas LGBT+ tivessem que estar juntos na luta, nas ruas e fora delas, contra uma austeridade que nos fez recuar anos, talvez décadas, em direitos humanos básicos.

Estiveram juntes, presentes e comprometides em todas as oportunidades para contestar as atrocidades cometidas contra a democracia, desde o 15 de Outubro de 2011 até ao 2 de Março de 2013, passando pelo gigantesco 15 de Setembro de 2012. Apanharam porrada na carga policial de Novembro de 2012 e participaram activamente nas Assembleias Populares. Ajudaram a que, pela primeira vez, se tivesse conseguido juntar num mesmo movimento forças do PS, PCP e BE – a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública.

Foram solidáries! E, por isso, ajudaram a criar um novo paradigma de solidariedade entre forças progressistas que normalmente andavam desavindas.

Sem isto, estou certo que hoje não teríamos conseguido livrar-nos tão cedo da influência das forças conservadoras e neoliberais que nos governaram. Sem este rumo, quem sabe, ter-se-ia aberto caminho ao aparecimento de populismos de extrema-direita em Portugal.

E porque a solidariedade se retribui com solidariedade – não foi só em Inglaterra com os grupos LGBT+ ao lado dos grevistas mineiros, no tempo da Margaret Tatcher, tão bem retratado no filme Pride, e que valeu a descriminalização da homossexualidade quando os sindicatos mineiros começaram a pressionar nesse sentido – em Portugal, a par das recentes conquistas legislativas na luta contra a precariedade, no direito à saúde, à educação, também a adoção por casais do mesmo sexo foi aprovada. Foi, aliás, uma das primeiras medidas aprovadas na nova configuração parlamentar com maioria de esquerda. E a despatologização das pessoas trans está prestes a avançar.

Hoje sei que tal não se dá por pagamento de favores de umas lutas para as outras. Acontece porque lutar por direitos LGBT+, de deficientes, de precáries e desempregades, das mulheres, des migrantes, das classes económicas e sociais mais desprotegidas, é uma luta só. Para começar, porque algumas pessoas acumulam em si várias ou todas estas características. Mas essencialmente porque têm um sentido comum: a luta por um país, por um mundo, em que se garanta a dignidade, a liberdade, a justiça e a equidade no respeito pelos direitos humanos.

Os sinais mostram-nos que se avizinham grandes desafios. Espero que esta “minha História” possa contribuir para estarmos mais alerta e unides. Porque, se já vencemos algumas vezes, podemos repeti-lo, juntes!

Artigo publicado originalmente no site PortugalGay, na série comemorativa dos seus 20 anos de existência.

Este artigo foi escrito utilizando o Acordo Queerográfico

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PSD e CDS vão aliar-se ao PNR na C.M. de Loures?

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Esta semana tem sido profícua em entrevistas, comentários televisivos e artigos de opinião xenófobos.

As acusações do Ministério Público aos agentes da esquadra de Alfragide deram o mote para a abertura das hostilidades, literalmente.

E, de repente, o que estávamos habituados a ver nas caixas de comentários de artigos de jornais online, eis que é encabeçado e assumido por personalidades públicas que, com a mesma impunidade (e com a desculpa esfarrapada do exercício da liberdade de expressão), vêm propagando o ódio ao diferente – étnica ou culturalmente -, ao estrangeiro e ao não heteronormativo.

Se todas estas repugnantes tomadas de posição, Trumpistas e LePenistas, são igualmente graves e criminosas, no conteúdo, há uma que se reveste de especial gravidade pelo contexto político e institucional:

Falo das declarações ciganofóbicas do candidato do PSD e CDS à Câmara Municipal de Loures. Porque, se qualquer figura pública tem acrescidas responsabilidades, pela sua capacidade de influência indireta na formação de opiniões, um político candidato a liderar um cargo público, além de ter deveres de pedagogia cívica, entende-se que terá um papel decisivo na formulação de normas e práticas quando vier a exercer o poder.

Se PSD e CDS não retirarem imediatamente a confiança política e afastarem da corrida eleitoral André Ventura como seu candidato, o próximo passo só pode ser a aliança com o PNR.

Capa do jornal i de 17-7-2017

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14 sinais da implantação do fascismo tornaram-se virais nos EUA

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foto de um cartaz exposto no Museu do Holocausto sobre os sinais para reconhecer o aparecimento de um regime fascista tornou-se viral nos Estados Unidos da América.

A autoria é atribuída a Laurence W. Britt e, em português, diz o seguinte:

Porque chamar às coisas o que elas são é essencial nos dias que correm, em que as palavras e os factos são adulterados, adocicados ou simplesmente manipulados, lembrei-me do Umberto Eco que, de forma mais exaustiva nos explica outras 14 lições de como reconhecer o (neo)fascismo:

  1. A primeira característica de um Ur-Fascismo [fascismo eterno] é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico.
    Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas. Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva. Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo. Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.
  2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.
  3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.
  4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.
  5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.
  6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.
  7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.
  8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.
  9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.
  10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.
  11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heroica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.
  12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma inveja pênis permanente.
  13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg. Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no Parlamento italiano foi:“Eu poderia ter transformado esta assembleia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o Parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do Parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.
  14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.
A tradução completa do artigo pode ser encontrada aqui.

 

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Porque deixarei de ir à Padaria (da Escravatura) Portuguesa

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Com um título destes podem pensar que me vou queixar de algum problema que tivesse ocorrido no atendimento numa das dezenas de padarias desta marca. Descansem os destiladores de ódio ocasionais. Sempre fui servido com o maior dos profissionalismos.

Do que venho falar é de escravatura.

Nuno Carvalho, gerente desta cadeia, falou hoje em direto para a SIC NOTÍCIAS e, com a maior das naturalidades, explicou a sua teoria de como isto só vai lá com escravatura.

Senão, vejamos: o escravo nada recebia pelo seu trabalho, para além de alojamento e comida que o mantivesse vivo. Hoje em dia, o ordenado mínimo, que a maioria dos trabalhadores (sim, trabalhadores e não colaboradores) da Padaria Portuguesa aufere, no centro de Lisboa mal dá para pagar um quarto (a menos que tenha as condições de uma cubata), alimentação e transporte. Difere, comparando a clássica escravatura com a proto-escravatura dos tempos de hoje, a existência de um horário máximo de trabalho. Ora, o gerente/capataz não gosta nada disto. Acha uma chatice que as pessoas só possam trabalhar 40h semanais e ter que pagar compensações por horas extraordinárias.

A mesma cadeia que parece ter capacidade para abrir uma nova loja a cada mês também acha um aborrecimento existir um salário mínimo e, em geral, regras salariais, porque, segundo ele, o que se devia pagar era consoante a evolução dos lucros da empresa. Ora, se isto fosse aplicado no longo prazo, quando a empresa estivesse a fazer milhões em lucro, seria excelente para o trabalhador. Mas sei que não é a isto que ele se refere. Sei que fala dos primeiros 2 anos, ou 3 ou 4, em que a maioria das empresas não consegue tirar dividendos. Suponho portanto que, no seu entender, os trabalhadores deveriam trabalhar de graça. Quem sabe até pagar para trabalhar.

Acresce que acha uma tontice que não se possa despedir alguém porque lhe deu na veneta. Chama-lhe falta de flexibilidade laboral. Mas essa conversa já a ouvimos desde que existe exploração do ser humano pelo ser humano, por isso não me espanta.

O que me espanta é o gerente não aproveitar e fazer um rebranding para “Padaria da Escravatura Portuguesa” e, já agora, alterar a decoração para um estilo retro-fancy a lembrar uma senzala colonial, acrescentando grilhões à farda dos trabalhadores. Faria muito mais sentido.

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Arianismo (do Irão) e outros problemas mentais da extrema-direita que acabam em massacres

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O termo “ariano” foi apropriado pela propaganda nazi e ficou associado a estes no imaginário popular moderno. Mas o povo Arya vem do Planalto do Irão e espalhou-se pela Ásia e Europa. Um dos delírios de Hitler foi achar que (alguns) alemães pertenciam a uma raça com origens extra-terrestres e poderes super-humanos. As leis de Nuremberga abstinham, por isso, do extermínio todos os persas, irmãos de sangue ariano.

Sem esta contextualização, os títulos dos jornais que repetem até à exaustão as raízes iranianas do terrorista de Munique apenas desinformam. E ainda mais quando não explicam que o Irão (xiita) é o principal inimigo do Estado Islâmico (sunita). A polícia alemã bem frisou que este atentado acontece no 5º aniversário do ataque neo-nazi de Breivic na Noruega, bem como os supostos problemas mentais, partilhados por ambos.

(…)

Até quando vamos continuar a alimentar a espiral de ódio xenófobo e nacionalista, cavando a vala comum das civilizações?

Ler o resto do artigo na publicação original no site P3 do jornal Público.

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Fui praxado, praxei. Hoje sou anti-praxe.

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Curiosamente, conheci a praxe como caloiro em 3 universidades diferentes.

Aveiro

Entrei na Universidade do Porto. Mas, nessa altura, as admissões não saiam online: eram afixadas num pavilhão da minha cidade-natal, Aveiro, onde grupos de trajados se acotovelavam para perceber se xs caloirxs encontravam os seus nomes nas listas, prontos a praxar – perdão: a fazer a faina, como lhe chamam, roubando a expressão a tão nobre arte aveirense.

Quando dei por mim, uma simpática “veterana” estava a pintar-me a cara com dizeres homofóbicos e a encher-me de farinha, sempre de sorriso na cara – eu feliz por ter entrado e, por isso, ter direito ao ritual; ela porque certamente não tinha mais nada de interessante para fazer na sua vida pessoal e naquele local havia muitx caloirx ignorante de que, segundo os códigos de praxe/faina/trote/bla, não podiam ser praxadxs por quem não fosse do seu curso e universidade.

A minha ansiedade e até algum medo misturavam-se com a excitação, que começou a decrescer quando fui levado com um grupo de caloirxs para a entrada de um centro comercial, colocado em roda e informado que teríamos que passar um pau de boca em boca, que ia ficando cada vez mais pequeno: nisto, uma caloira começa a chorar por não se sentir à vontade com o múltiplo contacto bocal e, após muita coacção, acabou por conseguir sair da roda. Tudo aquilo me fez pouco sentido. Enquanto nos diziam que não podíamos ser maricas, forçavam-nos a tocar com as bocas uns nos outros… Parecia mais uma actividade de pré-adolescentes hormonados do que um ritual de quem está para entrar na vida adulta. E, no geral, pareceu-me mais negativo do que positivo mas quis pensar que o problema fosse meu e que tivesse que fazer o esforço de me “integrar” – se toda a gente o fazia, talvez fosse eu quem estivesse a ver pela perspectiva errada…

550

Porto

Chegado ao Porto, decido voluntariar-me para ser praxado, porque mais nenhuma actividade de integração existia e, ao fim de alguns dias a deambular sozinho pela faculdade, pensei que pudesse tirar algum partido social da dita “tradição” (que no Porto nunca o foi) – até porque integrar-me no contexto de sala de aula era muito difícil, já que quase ninguém comparecia às mesmas no início do semestre, a fim de estarem presentes nos rituais de praxe.

Achei-a uma seca. Repetitiva e com falta de imaginação. Não me deixavam conversar com xs restantes caloirxs, nem olhar-lhes nos olhos. Porque éramos do curso de História fomos obrigadxs a saber de cor e salteado, repetindo, repetindo, repetindo (o quanto eu me lembrei da minha professora da primária, autoritária e que discriminava xs mais pobres, que se gabava de continuar a usar os mesmos métodos que seguia antes do 25 de Abril) as insígnias, as supostas origens históricas da praxe, canções a favor do curso e contra os outros, cantilenas sexistas, racistas e, sempre, vincadamente homofóbicas (por exemplo, o caloiro com traços mais femininos era sempre obrigado a colocar acessórios e roupas “de mulher” e a fazer performances em que insultava tanto as mulheres como os homens gay), outras peripécias pseudo-históricas e muitas outras inutilidades sobre a praxe. E eu questionava-me, afinal, onde estava a prometida integração se não podíamos sequer conversar e éramos repreendidxs  e humilhadxs apenas por nos olharmos? E lá repetíamos, repetíamos, repetíamos as inutilidades enquanto faltávamos às aulas.

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Mas havia mais: como tinha sido o ano do atentado às torres gémeas, não nos faltaram “ataques aéreos” em que nos coagiam a atirar-nos com a máxima força de joelhos contra a gravilha, a calçada ou a lama, consoante os sítios por onde íamos passando. Uma ou outra vez foi apenas contra a relva (os novos teóricos pro-praxe dir-me-ão que só quando nos mandavam atirar na relva fofinha é que era praxe, das outras vezes todas foi abuso)…

Uma vez, quando já tínhamos passado mais de 10 minutos de cócoras a mando dxs trajantes, decido sentar-me por já não aguentar mais a dor nas costas. Qual não é o meu espanto quando são xs caloirxs que começam a exigir que me voltasse a acocorar, talvez porque imaginaram que pagariam todxs pela minha insolência ou simplesmente por já estarem transormadxs em escravos-felizes-empossados-de-capatazes, logo fazendo queixinhas aos morcegos que nos praxavam. Decidi que não estava para aturar mais aquilo e abandonei a praxe no final dessa tarde, à qual nunca mais compareci. Ninguém “da praxe” me coagiu nos dias seguintes mas também nunca mais me falaram. Hoje agradeço-lhes isso.

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Ainda no Porto, assisti, à noite, ao frio e à chuva, a um grupo de caloiros obrigados a despir-se da cintura para baixo, a rebolar no chão e depois uns nos outros. Dois que se recusaram levaram pancada de colher de pau na cabeça e foram destratados com todas as expressões homofóbicas que possam imaginar. Eu e amigxs tentámos impedir e fomos ameaçadxs. Insistimos e os trajantes começaram a incitar os caloiros para nos agredirem. Ameaçámos chamar a polícia e só quando já estávamos a preparar-nos para usar os telemóveis é que decidiram parar ou, pelo menos, mudar de sítio.

Coimbra

Por motivos (talvez) não ligados à praxe, mas em que a minha (des)integração com as pessoas do curso teve alguma influência, decido mudar de licenciatura. E vou para Coimbra: em Relações Internacionais, na Faculdade de Economia, não vi sinais de praxe (vim a saber que apenas se tinham realizado as chamadas “aulas fantasma” desde os 2 anos anteriores e “distribuição” de caloirxs por padrinhos/madrinhas) mas tive que fugir a várias tentativas de praxistas doutros cursos, nomeadamente de Economia, que teimavam em mostrar a sua suposta superioridade por frequentarem o curso mais antigo daquela faculdade, não olhando a meios para coagir – no bar da faculdade, por exemplo – caloirxs de outros cursos para frequentar a sua praxe. Numa das vezes, os caloiros que estavam comigo acederam à insistência e eu decidi experimentar ir também. Fomos levados até aos jardins, ladeados de uns quantos doutores. Ao fim de poucos minutos, ao ver um caloiro ser humilhado e porque já me doíam os joelhos de estar de quatro, fui percebendo que aqueles métodos ainda eram mais primitivos e desprovidos de imaginação do que no meu curso anterior. Decidi sair, sem avisar ninguém. Ao verem-me sair, foi curioso perceber que começaram a entoar uma lenga-lenga contra Relações Internacionais, instigando um caloiro meu colega a cantar contra o curso que ele próprio frequentava.

Chegado ao terceiro ano (primeiro em que se pode praxar em Coimbra), eu trajei. Xs avós quiseram pagar-me o traje, cheixs de orgulho pelo neto que conseguira aceder à universidade. Nunca trajei pelos rituais de praxe mas pelo significado que quis crer ter o traje de Coimbra: de solidariedade (quando o Estado Novo se recusou a assistir os ribatejanos nas grandes cheias de 69, centenas de estudantes – a maioria trajados – acorreram a ajudar), de contestação anti-fascista (crise académica de 69) e promotor da igualdade entre classes – porque ninguém se destacaria pelo que veste (agora discordo desta ideia porque o traje é caro, nem todxs xs estudantes o podem comprar, e porque cria diferenciação face a quem não pode ir à universidade). Para mim, e para a maioria dxs colegas de curso, trajar não era praxe: usávamo-lo apenas nas festas e jantares académicos e era quente, o que em Coimbra no inverno dava jeito.

Rapidamente percebi que a praxe em Coimbra é realmente diferente da dos outros locais: está por todo o lado, dura o ano todo, tem regras mais estritas (umas melhores e outras péssimas), mais pessoas a cumpri-las (nomeadamente as mulheres, que não podiam usar maquiagem nem acessórios – mas os homens [e mulheres, vá, que a gente deixa porque também quer usar] usavam óculos de sol).

Se, por um lado, na minha faculdade, nunca vi ninguém a ser sujx nem sequer a ser pintadx na cara (como tinha visto, por exemplo, em Aveiro – onde as tripas de peixe são “o must”), nem homens a praxar mulheres (o contrário acontecia por vezes), por outro, vi trupes que cortavam cabelos de caloiros e lhes batiam nos dedos das mãos até ficarem negras, só porque tinham saído à noite para se divertirem no seu primeiro ano de alguma liberdade fora de casa dos pais. Grupos desta gentalha moviam-se como bandos sombrios de morcegos pelas vielas da Alta de Coimbra, sempre seguindo estritamente o código da praxe, incluindo as torturas e estratégias de desconstrução identitárias – métodos estudados, aplicados e replicados em várias prisões políticas, desde a idade média até aos dias de hoje, nas piores ditaduras a subsistir no mundo.

A determinado momento, o Conselho de Veteranos decide emitir uma nova regra ou voltar a fazer vigorar uma (já não me recordo exactamente), dizendo que as mulheres tinham que parar de usar o colete do traje, o que, para além de ser em si discriminatório e sexista, fazia-me sempre pensar que a ideia era, apenas e só, a de que os seios das meninas-doutoras de 19-20 anos pudessem ficar mais à mostra, para deleite dos sebosos veteranos e duxes de 30 e muitos ou mais de 40 anos.

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Voltando um pouco atrás, eis que começa o meu terceiro ano lectivo. Tinha, na altura, a perspectiva que vejo muitas das pessoas actualmente a defender (naif, permitam-me dizer-vos): era contra os ditos abusos mas a propaganda pró-praxe era tão forte e hegemónica que eu dava o benefício da dúvida e achei que fosse possível fazer praxe boa, em vez de praxe má. Também com esta perspectiva os meus colegas de turma decidiram fazer praxe “a sério” “mas da boa” pela primeira vez no curso de Relações Internacionais, aproveitando uma recepção axs caloirxs organizada pela própria faculdade, desviando a seguir os caloiros para a dita praxe.

Tínhamos acordado que faríamos uma espécie de festival da canção, ensinaríamos a “tradição” – incluindo cânticos e dizeres acabados de inventar -, e faríamos uma espécie de jogo de estafetas. Eu inicialmente até fiz de cicerone, fazendo uma visita guiada aos vários pisos da faculdade, explicando onde eram os serviços e outras utilidades. Tudo decorria de forma “aparentemente” inócua. Mas, no início do tal festival, xs caloirxs, tímidxs e com a mesma imaginação que nós para aquelas andanças (nenhuma, portanto), não quiseram cantar. E ninguém dos trajados se predispôs a obriga-los. Não nos impusemos, sugeríamos apenas. Não nos quisemos colocar em poses autoritárias, nunca impedimos caloirxs de nos olhar directamente nem entre si: aquilo era, afinal, suposto ser só uma brincadeira. E, como tal, xs caloirxs sentiram-se no direito de não cantar. Não era, portanto, praxe – das que resultam, porque implicam sempre coacção –  e, por isso, não estava a funcionar.

De repente aparece uma “veterana” (expressão que, em Coimbra, significa ter mais matrículas do que os anos regulares do curso). Não trajada, exige que uma capa lhe fosse colocada aos ombros e começa aos berros, louca furiosa, obrigando xs caloirxs a olhar para o chão, a colocar-se de joelhos e dizendo que a partir dali tinham que nos obedecer. Nós nem soubemos bem o que dizer, não era nada daquilo que tínhamos pensado. Antes dela aparecer já equacionávamos até acabar ali o ritual e ir simplesmente beber copos. Mas ela estava indignada com tanta liberdade: vociferava contra xs caloirxs, contra xs doutorxs, contra o mundo que não se lhe submetia e isso era o sacrilégio mais herético de todo o sempre, para a praxe, para a tradição, para a honra das gerações passadas e vindouras. Xs caloirxs começavam a ficar assustadxs, as suas expressões passaram rapidamente do gozo connosco, a uma certa incredulidade, depois ao medo, e algunxs estavam prontxs a submeter-se à superior hierárquica.

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Eu decidi sabotar! Vim por trás dxs caloirxs dizendo-lhes para recusarem as ordens. Elxs enfrentaram-na. Ela olhou xs restantes doutorxs em busca de apoio mas, como ninguém a seguiu na senda autoritária, insultou-nos ainda mais e foi-se embora, ainda a esbracejar, em raiva porque não pôde aliviar as suas frustrações-do-dia naquilo que lhe pareceram ser alvos fáceis, preparados previamente por outrxs para se lhe subjugarem. A praxe terminou ali e fomos beber copos.

Nunca mais praxei nem, que eu saiba, ninguém da minha turma o fez!

Porque me deixei praxar em 3 sítios diferentes?

Podeis estar a pensar legitimamente que me custou a aprender: iludi-me em Aveiro, desiludi-me no Porto, quis-me iludir novamente pelo ambiente hegemónico da praxe em Coimbra… Mas foi mais do que isto:

Quem me conhece sabe que sou e sempre fui uma pessoa de convicções fortes e que se sabe defender. Nunca deixei que me fizessem bullying no secundário ou básico. Porque deixei então que me praxassem? Mesmo que, em todos os casos, tenha sido por pouco tempo e tendo eu sempre recusado fazer coisas que não queria, durante os rituais… Apesar de ter feito coisas que hoje nunca faria (mas quis deixar-me imbuir pelo espírito, experimentar)…

Deixei que me praxassem e praxei uma vez porque era adolescente, pré-adulto e depois um jovem adulto que queria verdadeiramente integrar-se… Sou um ser social. Somos, certo? (E é mesmo um mito que só tenhamos essa necessidade enquanto jovens, apesar de ela ser ainda mais forte quando o somos.) Quando cheguei a Coimbra com 20 anos estava sozinho numa cidade que mal conhecia e onde sentia que tudo girava à volta da praxe. Irracionalmente, era levado a pensar que talvez fosse culpa minha se não me integrasse, se quase toda a gente o fazia daquela forma, se era a norma, eu deveria ser anormal (agora acho que quase toda a gente pensa como eu em vários momentos pensei, e deixam-se ir ficando e humilhando nestes rituais). E qual é x jovem ou adolescente que se quer sentir mais anormal do que já somos todxs? Ser discriminadx pela diferença? Quem gosta de ser impedido de estar num grupo – mesmo que estupidamente humilhado por ele? Num primeiro momento e muitas vezes para a vida, quase ninguém. (ver documentário no link, que confirma esta afirmação)

Se eu soube dizer Não, muitas pessoas (quase todas) que vi não o conseguiram. O medo tolhe-nos. As técnicas de despersonalização aplicadas na praxe e descritas nos seus códigos formais realmente funcionam. Eu, ainda assim, fui um privilegiado: para o Porto tinham ido algunxs amigxs que havia conhecido ainda no secundário e era com elxs que falava à noite do que tinha acontecido durante o dia na praxe – e que me ajudaram a despertar para as barbaridades das actividades a que tinha sido submetido; em Coimbra tinha a proximidade da família, que vivia em Aveiro, onde eu tive que continuar a pernoitar, por motivos económicos, durante toda a licenciatura.

Mas a maioria das pessoas não tem estes “privilégios”, vêm de longe ou estão socialmente isoladas, muitas vezes foram sofrendo humilhações ao longo da vida, pelxs colegas, pelxs professorxs, na família ou na escola ou no clube ou na rua… Foram-se habituando a elas… Nem toda a gente tem a mesma força que eu fui tendo (devia ter tido mais?). Nem têm que ter. Isso de que estamos sozinhos no mundo e temos que reagir a tudo sozinhxs e ser mais fortes do que toda a gente à nossa volta para vingar e, de preferência, passar por cima das outras pessoas para sermos bem sucedidxs, é uma finta do capitalismo neo-liberal para colocar as pessoas, subjugadas pelas elites, umas contra as outras. É cair na armadilha do “dividir para reinar” do darwinismo social.

O ser humano é uma espécie cooperante, colaborativa, e que só chegou ao estágio de civilidade onde nos encontramos porque actuou em parceria para atingir os mais importantes feitos, para conquistar os seus direitos, para se ir libertando dos grilhões da submissão servil. Também é capaz do pior. Mas, se vivemos numa sociedade que queremos moderna, evoluída, civilizada, é normal que tenhamos criado regras de convivência (e que as continuemos a criar) para que não nos andemos a matar, nem a violentar, nem a humilhar, nem a subjugar.

A teoria de que não se pode proibir nada – mesmo as piores atrocidades – porque isso vai contra liberdades e direitos individuais de alguns, ou porque o Estado que cria regras é sempre opressor (mesmo quando a proibição é relativa à possibilidade de anular liberdades de outrem) é o mesmo argumento que usavam os esclavagistas, que acenavam com os seus títulos de propriedade dos escravos exclamando peremptoriamente que lhes estávamos a roubar direitos e liberdades, ao libertar os seus cativos. É um argumento gasto e que não colhe simpatia nem a mim que sou libertário e tenho repulsa quase primária pelas proibições – mas depois respiro fundo, reflicto e Sim, faz sentido respeitarmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos e até uma parte considerável da nossa Constituição – tão adulterada do seu espírito socialista inicial mas que conserva e até acrescentou recentemente conceitos de humanidade que considero básicos.

O contrário seria a barbárie, a lei dos que já são mais fortes, o aprofundamento ainda maior do fosso entre as elites e os mais pobres, dos monopólios, do capitalismo selvagem e, no limite (não muito longínquo), do fascismo. E eu luto diariamente para caminharmos no sentido contrário, apesar de sentir que por vezes remo contra a maré!

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Se o governo nos humilha diariamente – fazendo-nos crer que não temos direito a ter direitos, que não contamos para nada, que não somos ouvidxs nem tidos nem achadxs, tentando-nos reduzir à (des)qualidade de bestas, caloirxs no emprego e na vida – não caiamos na falácia de achar que isso é normal, aplicando-o às nossas relações pessoais e académicas. Fujamos disso. Combatamo-lo! Ao governo e a quem subjuga outras pessoas na sua vida, como na praxe. Saibamos ser conscientes e actuantes. Saibamos ser humanos!

Original Publicado no blogue 5Dias em  é complementado pelo (e complementa o) meu artigo “Viva! Já criámos as leis anti-praxe!”, publicado No P3 do jornal Público.

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Outros testemunhos relatados na imprensa nos últimos anos:

Praxe, polémica e violência, uma história com séculos

Caloiros agredidos em julgamento de praxe

Caloiros «assaltam» banco

Praxe suspensa em Coimbra após agressões a duas alunas

Braga: confrontos entre alunos da Católica e sem-abrigo

Relação de Évora condena praxes violentas

Praxe: Piaget condenado a pagar 38 mil euros a aluna

Cinco anos de prisão para veterano que violou “caloira”

Mãe de estudante morto suspeita que ele foi vítima de praxe

Provado que aluno morreu durante praxe

Praxe amedronta docentes da Universidade do Minho

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“Vacina” da SIDA já existe. Porque ainda não chegou a Portugal?

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Já é distribuída nos EUA há quatro anos e está a causar uma revolução. Chama-se Truvada e não é bem uma vacina: é um comprimido antirretroviral e quem o toma registou zero casos de infecção.

A Organização Mundial de Saúde recomenda o tratamento, também chamado de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), a todas as pessoas em risco. Ou seja, não é para toda a gente. Mas, ministrado às populações mais expostas, pode ser a resposta para a erradicação mundial do VIH, que o uso do preservativo não conseguiu atingir. Do Estado português, até agora, nem uma palavra sobre a disponibilização da terapeutica no Serviço Nacional de Saúde.

Quando a primeira crise epidémica se deu, no início dos anos 80, acreditava-se que apenas homossexuais eram atingidos. A ignorância e  — acredito — a má fé associada ao preconceito, levou instituições governamentais americanas a recusar financiar pesquisas. E mesmo medicamentos com comprovada eficácia estiveram banidos durante anos.

Hoje sabe-se que a enorme maioria das pessoas infectadas têm relações heterossexuais. O tratamento para quem já é portador é eficaz (o Truvada é um dos que fazem parte do cocktail) e permite a quem é detectado precocemente uma esperança de vida elevada — apesar de frequentes complicações de saúde e psicológicas e de um enorme investimento estatal em tratamentos.

Mas a inoperância das entidades tem um efeito ainda mais grave: mais e mais pessoas se estão a infectar diariamente. Em 2014, 1,2 milhões de pessoas morreram no mundo e todos os dias 600 crianças são infectadas.

Nos anos 80 não existia internet mas, ainda assim, num acto de desobediência civil, muitos começaram a importar ilegalmente medicação eficaz. Hoje, online, já é possível encomendar, da Índia e de outros países, o (por enquanto) pouco famoso Truvada. É uma oportunidade única dos nossos tempos mas também implica riscos no que toca à qualidade e eficácia. Além de que os preços tornam-no acessível apenas aos mais abastados, criando-se uma discriminação de classe flagrante.

A pílula libertou a mulher, permitindo que o prazer e não apenas a procriação fosse propósito do sexo. Há uma crescente libertação sexual da humanidade face aos grilhões das igrejas e aos púdicos conservadores que entendem sermos fábricas de produzir bebés. Hoje, a PrEP está a causar nos Estados Unidos uma revolução de mentalidades ao abolir o medo que envolvia os actos sexuais, mesmo os protegidos, desde que se descobriu o VIH.

Quem já toma PrEP pode e deve continuar a usar preservativo porque outras doenças menos graves se podem evitar. Mas estou certo que o prazer resultante do fim dos medos far-nos-á desfrutar do sexo de forma tão libertadora que só os invejosos celibatários das igrejas e os mais frustrados conservadores podiam querer privar-nos.

Razões economicistas foram apresentadas há um ano pelo governo português para não encomendar medicamentos que curam a Hepatite C, até morrerem pessoas que podiam hoje estar vivas.

Quantas mais pessoas terão que ser infectadas com VIH para que os responsáveis percebam que, quanto mais tempo demorarem a distribuir a PrEP em Portugal, mais manchadas de sangue estarão as suas mãos?

Aos restantes, faço o apelo: testa-te — grátis e com resultado na hora — aqui ou aqui. E reivindica a PrEP em Portugal já!

Artigo publicado originalmente no P3 do Público

Foto: Stringer Russia/ Reuters

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A fé cega nos Tratados Transatlântico e Transpacífico

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Não só os líderes mundiais como finalmente os cientistas políticos começam a revelar a verdadeira dimensão do que se aproxima. Com muito interesse li o artigo do Tiago Moreira de Sá que demonstra aguçada pontaria na análise da abrangência e resultados ansiados com a aplicação do tratado transatlântico (TTIP) pelos poderes do sistema capitalista ocidental.

Mas, por reconhecer a inteligência da conjectura apresentada, que assume o carácter historicamente paradigmático do que poderá ser uma nova ordem mundial baseada nos acordos de livre-comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos, TTIP, mas também do acordo transpacífico – TPP – dos EUA com vários países asiáticos, fico cinicamente admirado com a pueril crença nos benefícios para o nosso país de tais tratados.

Acompanhando a Plataforma Não Ao Tratado Transatlântico, ou as notícias que a conta-gotas vêm surgindo, qualquer pessoa que não professe a sacrossanta e infalível (?) religião do neoliberalismo percebe que um país da dimensão económica, militar e política como o nosso só tem a perder com estes acordos à escala das grandes multinacionais e potenciador do seu poder hegemónico contra as democracias ocidentais. Portugal, hoje, não é uma potência, muito menos atlântica.

Clicar aqui para continuar a ler artigo no Público P3

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Os humanistas da direita conservadora e os xenófobos da esquerda progressista

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Parece contraditório? A realidade mostra-nos que não.

Aristides de Sousa Mendes foi forçado a terminar precocemente a sua carreira diplomática, era Cônsul português na cidade francesa de Bordéus quando assinou vistos migratórios a mais de 30000 refugiados que fugiam ao regime nazi. Salazar foi impiedoso com a sua heróica actuação e fê-lo morrer pobre e a comer na mesma cantina social onde comeram as pessoas que salvou do holocausto. (ler artigo completo no Público, aqui)

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A crise de refugiados começou em Portugal

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Em Março de 2003, Durão Barroso (à altura,  primeiro-ministro do governo de coligação PSD/PP) servia de mordomo recebendo na Base das Lajes, nos Açores, os líderes Bush, Blair e Aznar, para lançarem o derradeiro ultimato ao governo iraquiano, acusado de ter armas de destruição massiva, que daria início à invasão. Hoje o Médio Oriente é palco da catástrofe aí iniciada e a Europa começa a sentir os seus efeitos. Mas quem mais sofre são as pessoas que lá vivem ou que de lá fogem diariamente, morrendo nas suas casas ou no caminho para uma Europa que os trata, novamente, como peões sub-humanos dos jogos dos Senhores da Guerra, dos traficantes e dos xenófobos nas comunidades de acolhimento deste lado da fortaleza. Fomos nós que começámos. Cabe-nos, pelo menos, remediar. Receber todxs xs que buscam um porto seguro e intervir no local com forças de pacificação são o mínimo. Construir mais muros é pura estupidez!

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Que saudade de quando havia humanidade

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imageTanta falta de empatia, de humanidade, que por aí anda… Imagine-se se os países do norte estivessem hoje a recusar receber xs nossxs emigrantes económicxs, o que seria delxs, e do nosso país? E se nós tivéssemos recusado a entrada dxs retornadxs deixando-xs morrer nas guerras civis das ex-colónias?
Que lógica tem apontar o dedo a quem foge do extremismo islâmico ou das ditaduras? Os judeus que Aristides de Sousa Mendes salvou trariam nazis infiltrados e por isso deveríamos barrar-lhes a entrada?
O problema, afinal, qual é?
Ignorância? Informem-se.
A diferença na cor da pele? A diferente religião ou cultura? Se o é tem um só nome: xenofobia!

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#bethedifference ou tudo isto é triste

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Parece que esta semana a Adidas organizou um jogo de futebol entre jornalistas para apresentar dois novos modelos de chuteiras. Mais de 20 profissionais dos principais órgãos de comunicação social nacional lá foram. Parece que havia critério editorial e a descarada acção de marketing era, afinal, notícia. E foi.

VISÃO, EXPRESSO, SÁBADO, A Bola, Dinheiro Vivo, Record, Mais Futebol, RTP, Correio da Manhã, TVI (dos que contei e falham-me alguns, por certo) ou noticiaram a coisa ou estiveram presentes.

Deixo à consideração dos que participaram, dos que editaram e dos que regulam a profissão (como a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, sempre lesta em apontar as faltas de jornalistas locais e regionais ou de estagiários) o artigo 3.º do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99 de 13 de Janeiro). Designa-se “Incompatibilidades“:

«1 – O exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de:
a) Funções de angariação, concepção ou apresentação de mensagens publicitárias;
b) Funções remuneradas de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de orientação e execução de estratégias comerciais;
c) Funções em qualquer organismo ou corporação policial;
d) Serviço militar;
e) Funções de membro do Governo da República ou de governos regionais;
f) Funções de presidente de câmara ou de vereador, em regime de permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo, em órgão de administração autárquica.

2 – É igualmente considerada actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo o recebimento de ofertas ou benefícios que, não identificados claramente como patrocínios concretos de actos jornalísticos, visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade do jornalista, independentemente de este fazer menção expressa aos produtos, serviços ou entidades.

3 – O jornalista abrangido por qualquer das incompatibilidades previstas nos números anteriores fica impedido de exercer a respectiva actividade, devendo depositar junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista o seu título de habilitação, o qual será devolvido, a requerimento do interessado, quando cessar a situação que determinou a incompatibilidade.

4 – No caso de apresentação de mensagens publicitárias previstas na alínea a) do n.º 1 do presente artigo, a incompatibilidade vigora por um período mínimo de seis meses e só se considera cessada com a exibição de prova de que está extinta a relação contratual de cedência de imagem, voz ou nome de jornalista à entidade promotora ou beneficiária da publicidade.»

Não me espanta que isto aconteça, que se ache normal ir a estes “eventos” – sejam eles relacionados com chuteiras, relógios, estreias de filmes, chocolates ou tintas. Mas choca-me que seja “normal”, nas redacções nacionais, noticiar isto. Sempre me chocou.
Ao mesmo tempo, nestas mesmas redacções, acha-se “perda de tempo”, “sem interesse”, “sempre a mesma coisa”, “ridículo” ir a conferências de imprensa ou iniciativas de organizações da sociedade civil, de novos grupos políticos, de instituições de defesa dos direitos humanos, do ambiente ou dos animais.

Está assim o “jornalismo” em Portugal. Estão assim as suas editorias e direções.

Que pelo menos tenha servido para a Adidas recompensar a publicidade gratuita com alguma publicidade paga nas revistas, jornais e televisões. Assim, sempre se justifica enviar um trabalhador – está a fazer pelo seu futuro salário (!).
Se nem isso acontecer, é só triste.
Como todo o deslumbramento saloio.

Como o facto do slogan da Adidas ser #bethedifference.

Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado

Blogue

Cuidado!

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Chegou o novo blogue de análise e crítica social, política e cultural – audaz mas bem disposta, acutilante mas com jeitinho. Simpaticamente mordaz. Faremos divulgação e debateremos os movimentos sociais, as organizações, os temas da actualidade e “desactualidade” local, nacional e internacional.

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